Não precisamos de ideias mirabolantes para pensar em um estilo de vida que não maltrate o planeta. Converse com gerações que viveram nos anos 40, 50 e teremos exemplos de como agir nesse sentido. Não foi sempre que o arroz estava ensacadinho na prateleira do supermercado. A ideia de comprar a granel não é nenhuma novidade. Já foi assim antes! E isso não tem muito tempo.
Até a década de 1950, as paulistanas e os paulistanos compravam feijão, farinha, fubá, milho e outros produtos em quitandas, empórios, armazéns (de secos e molhados) e feiras. Nestes espaços, você podia colocar as mãos nos produtos para analisar sua qualidade e sentir o seu cheiro, a sua textura. Ao escolher o alimento, chamava-se o balconista, que pesava a quantidade solicitada e empacotava os alimentos em saquinhos de papel, que eram levados para casa em sacolas próprias (nada de sacolas plásticas!). O pagamento era feito em dinheiro – quem não tinha, deixava a compra anotada na caderneta do dono do estabelecimento. Outros tempos…
Nesta época, já havia embalagens, mas poucos produtos produzidos no Brasil eram comercializados embalados. A mudança de cenário ocorreu após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando empresas norte-americanas começaram a expandir sua atuação para os países europeus atingidos pelo conflito bélico. A movimentação acelerou o processo de industrialização dos alimentos em todo o mundo e aumentou a demanda pelo acondicionamento, para que eles se mantivessem protegidos da saída da fábrica até a chegada aos comércios, garantindo um maior ciclo de vida.
O processo fez com que, pouco a pouco, os pequenos armazéns perdessem espaço para um novo conceito de estabelecimento comercial importado dos EUA e com foco na venda no varejo: o supermercado. O primeiro supermercado do Brasil foi inaugurado em São Paulo, em 1953. Instalado na esquina da rua da Consolação com a Alameda Santos, região central da cidade, tinha o nome de Sirva-se e trabalhava justamente com esta proposta, inédita até então: o próprio cliente escolhia os produtos e o levava para o pagamento direto no caixa, sem o intermédio de um balconista, por exemplo.
Neste novo contexto, as embalagens eram utilizadas não apenas para proteger os alimentos, como também para diferenciá-los nas prateleiras (afinal, o que não faltavam agora eram opções de produtos). Toda essa mudança também contribuiu para a formação de um novo tipo de consumidor, que primava pelo conforto e pela realização imediata de seus desejos (o consumo desenfreado), o oposto do ideal até então vigente, que valorizava o acúmulo de bens, a poupança e a realização de projetos a longo prazo.
Não precisamos nem dizer que, com o passar dos anos, este modelo se mostrou problemático e gerou uma série de malefícios, como a sobrecarga do planeta. Atualmente, cerca de um terço do lixo doméstico gerado pelas brasileiras e brasileiros é composto por embalagens, segundo levantamento do Ministério do Meio Ambiente. Desse total, 80% são descartadas depois de serem usadas apenas uma vez. Este hábito contribui com o esgotamento de aterros e lixões, dificulta a degradação de outros resíduos e provoca outros impactos ambientais, como o aumento do consumo de recursos naturais para produzir mais embalagens e gerar mais resíduos (criando um ciclo nocivo a todas e todos nós).
Para mudar este cenário, percebeu-se (finalmente) que rever nossos hábitos de consumo (comprando somente o necessário) e a maneira como lidamos com o nosso lixo (reutilizando o que for possível, mandando para reciclagem os itens recicláveis e direcionando para a compostagem os descartes orgânicos) é algo urgente e necessário. Nesse sentido, uma das alternativas encontradas foi retornar ao hábito da compra a granel. Por meio dela, é possível adquirir produtos frescos, consumir apenas o necessário e reduzir o desperdício de alimentos (outro grande problema mundial).
A tendência é uma realidade em diversos países. Em Berlim, na Alemanha (país que é o maior consumidor de plástico da Europa) por exemplo, há um supermercado 100% livre de embalagens (desde bandejas de isopor até frascos de shampoo). Inaugurado em 2004 pelas sócias Sara Wolf e Milena Glimbovski, o Original Unverpackt (Original sem embalagem, em livre tradução) vende produtos frescos, como legumes e grãos, e escovas de dente de bambu. O estabelecimento trabalha no modelo de compra a granel: o cliente escolhe a quantidade que quer levar e coloca os produtos em potes ou sacolas retornáveis. O espaço também vende sacolas de pano com frases do tipo Não existe planeta B. Uma reflexão pra lá de válida.
Em setembro, as estudantes e os estudantes aqui da Estilo foram ao Mercado da Lapa, um dos mais tradicionais da cidade, para viver a experiência de fazer compras a granel. A atividade fez parte de um RASTRO, e os alimentos comprados foram utilizados em receitas preparadas durante a atividade de COMIDA E CULTURA, desenvolvida por professoras especialistas. Pensando no impacto do consumo desnecessário das sacolas plásticas, todas as compras foram acondicionadas em sacolas retornáveis. Simples, prático, sustentável e saboroso!
A retomada das compras a granel só demonstra que, às vezes, é importante voltar ao passado para entender como viemos parar aqui e, com base nestas informações, refletir sobre como devemos agir daqui em diante. Ressignificar a nossa relação com o planeta.