Vivemos em um planeta muito inteligente. Um grande organismo vivo que se autorregula em um processo cíclico. A energia é provida pelo Sol e tudo o que ”sobra” de uma espécie é alimento de outra (não existe lixo). Tudo nasce para depois morrer e se transformar em energia para o ambiente novamente. Um ciclo que funciona em harmonia.
Aí, aparece o ser humano para desequilibrar essa balança e atrapalhar os serviços ecossistêmicos que se suportaram ou se recuperaram.
Fred Gelli, fundador e diretor criativo da Tátil Design de Ideias e sócio fundador da consultoria estratégica Cria Global, apaixonado por biomimética, faz uma comparação perfeita de nossa situação em suas palestras:
Chegou a hora de reinventarmos nossa presença no planeta, e as novas marcas que aparecem já surgem a serviço desse processo evolutivo que a espécie humana precisa passar.
A economia circular, um conceito baseado na inteligência da natureza, surge como solução para minimizar o impacto humano no meio ambiente, pois propõe uma mudança em toda a maneira de consumir, do design dos produtos até nossa relação com as matérias-primas e resíduos.
Nosso sistema produtivo gera um grande acúmulo de resíduos e a exploração excessiva de recursos naturais, dois problemas que precisam ser revistos urgentemente!
Vivemos em um sistema linear que extrai, utiliza e descarta. A obsolescência programada gera resíduos que não recebem novos usos e se acumulam em lixões, aterros sanitários e no oceano. De acordo com dados do IBGE, cada brasileiro produz quase um quilo de lixo por dia, ou seja, são 183 mil toneladas diárias no país todo.
E, como dissemos anteriormente, o esgotamento de matérias-primas também é uma grande preocupação. De acordo com relatório da Ellen MacArthur Foundation, organização que estuda e estimula a adoção da economia circular, 65 bilhões de toneladas de matéria-prima foram inseridas no sistema produtivo mundial em 2010. O instituto projeta que, até 2020, essa quantidade terá subido para 82 bilhões de toneladas por ano.
O design tem um papel fundamental na transição para a economia circular, pois criará novas oportunidades de negócio, aumentará a reutilização e reciclagem, trará questões de segurança material e humana, e, por consequência, ajudará no desenvolvimento econômico sustentável.
Como seria possível mudar esse paradigma?
Novamente, “jogamos a conta nos designers”. E, sempre lembrando, designer somos todos nós, como escrevemos em um post anterior!
Existem ferramentas para o designer projetar de forma circular.
• O estágio inicial de design é o melhor momento para prolongar a vida útil de um produto e, quando se utiliza a ferramenta do design para longevidade, lidamos com duas questões: durabilidade física e durabilidade emocional.
Diretamente ligados às questões da obsolescência programada e percebida, existem alguns guias que podem ajudar a criar produtos com durabilidade física, como o tipo de material usado para aquela finalidade, acabamento, costura, encaixe, cola, qualquer tipo de acabamento que seja usado no produto para que ele seja adequado e que dure o máximo possível.
Ele pode ser projetado também com a ideia de conserto. Se projetar um produto que seja possível ser consertado conforme ele quebre, em que só algumas peças possam ser removidas para que elas sejam consertadas, esse produto tem uma vida útil mais longa.
Com relação às finalidades desse produto, também podemos pensar em algo que seja multifuncional, como um eletrodoméstico que pode cortar, picar, triturar, que tenha várias funções embutidas em um mesmo objeto. Isso faz com que o utilizemos muito mais vezes sem precisar de outros produtos e que mantenhamos por muito mais tempo por conta da sua utilidade.
Outra coisa que podemos ter em mente quando estamos desenhando um produto para longa duração é como o consumidor vai mantê-lo em casa e se conseguimos ajudá-lo a cuidar desse produto da maneira correta.
A durabilidade emocional está diretamente ligada com a conexão do consumidor com o produto, e faz referência e tem relação com as questões estéticas e atemporais do mesmo. Uma maneira muito eficaz é trazer o consumidor para perto da criação e da produção, e cocriar junto com ele o produto que ele mesmo vai consumir.
• Outra ferramenta é o design para serviço. O serviço supera o paradigma do produto e deixa de ser centralizado em um único bem. Ele transfere a posse de um produto para o acesso a esse produto, que é o que propõe a economia compartilhada e o consumo colaborativo. Não precisamos ter um produto contanto que tenhamos acesso a ele. O design de serviço propõe a criação de plataformas que possibilitem a transição desses produtos por várias mãos. Assim, não precisamos vender mil produtos para mil pessoas diferentes, podemos ter um produto que circulem por 1000 pessoas diferentes. Isso, claro, reduz a quantidade de recursos usados nas produções e possibilita o prolongamento da vida útil desse produto.
• Uma terceira ferramenta é o design para reuso na manufatura. Então, eu desenho produtos ou embalagens pensando numa segunda vida útil para elas, ou na reutilização ou retorno delas para a indústria, para que possam servir como embalagens ou produtos novamente para as pessoas.
Mas, para isso, temos de ter em mente algumas coisas. Precisamos ter um sistema de coleta e devolução dessas peças e que elas podem passar por pequenos processos, ajustes ou reparações e higienização, mas não voltam para a indústria para serem reprocessados de novo.
Um bom exemplo disso são as garrafas de vidro retornáveis, de bebida, refrigerante, cerveja e leite. Depois de usarmos, se dermos o destino correto para elas, podem ser higienizadas e voltam como embalagem para novos produtos por muitos ciclos. A reutilização dessas embalagens de vidro por muitos ciclos faz com que economizemos em até 95% nas emissões de CO2 na produção de vidros a partir de matéria-prima virgem.
• O design para desmontagem significa conceber produtos que sejam facilmente desmontados no final da sua vida útil, para que os componentes e as partes desmontadas deles possam ser reutilizadas em novos produtos ou novos ciclos.
Para isso, podemos usar alguns guias para desmontagem, como usar componentes facilmente separáveis no final, usar essas junções, colas, fechamentos que sejam facilmente destacados, prever tecnologias e ferramentas que possam ajudar na separação desses materiais.
• O design para recuperação de materiais é a última ferramenta que será apresentada, pois corresponde ao último percurso do design circular, que é a reciclagem.
A reciclagem pode vir de dois meios: do pré-consumo e do pós-consumo. Os resíduos pré-consumo são aqueles que são encontrados nas fábricas, que são rejeitados durante os processos de produção. E os resíduos pós-consumo são aqueles que são do descarte do consumidor, roupas e produtos que não querem mais e podem ser devolvidos para as lojas, para os fornecedores, ou coletados por outras empresas para que sejam reciclados.
Os produtos ou embalagens provenientes do pós-consumo precisam de um sistema de coleta, de separação, para que possam ser reprocessados novamente na indústria e transformados em novas matérias-primas.
Lembrando sempre que as alternativas de reciclagem atuais operam sobre bens de consumo que não foram projetados com este cuidado.
O que era fim é só um novo começo
Confira o vídeo da Fundação Ellen MacArthur que ilustra de maneira simples o que é economia circular.
A transição para uma economia circular não se limita a ajustes visando a reduzir os impactos negativos da economia linear. Ela representa uma mudança sistêmica que constrói resiliência em longo-prazo, gera oportunidades econômicas e de negócios, e proporciona benefícios ambientais e sociais. Um trabalho de criatividade e inovação que cabe a todos nós: governos, marcas e sociedade!
Vai, mundo!
@_desencadeia