
Precisamos discutir isso! O que é, como surgiu e quais são os impactos em nossas vidas?
É comum ouvir de seus pais ou avós que “as coisas no passado duravam muito mais”. E essa não é apenas uma impressão das gerações mais velhas. Produtos de cem anos atrás, de fato, eram fabricados para durar por muitos anos, com itens luxuosos, como relógios e bolsas, sendo passados de geração em geração. Hoje, a durabilidade dos produtos é algo colocado em dúvida, já que, em nome da produção em massa e da redução de custos, muitas vezes, os itens são fabricados para ter uma vida útil mais curta. Esse modelo permite que mais pessoas adquiram os produtos, mas também maximiza os lucros dos fabricantes.
O termo “inovação” tem um papel central nesse processo. Muitas vezes, o que é apresentado como inovação é, na verdade, um produto intencionalmente desenhado para durar menos. Inovação não se resume a uma grande descoberta; pode ser algo simples, que melhora o uso de um objeto ou torna uma tecnologia mais acessível e prática para o cotidiano.
Um exemplo de inovação que realmente trouxe mudança é o Waze, um aplicativo que conecta usuários em tempo real, fornecendo informações sobre trânsito e rotas alternativas. Ele permite que as pessoas cheguem mais rápido a seus destinos, evitando congestionamentos.
Por outro lado, temos exemplos, como os smartphones, que se tornam obsoletos em poucos meses com o lançamento de novos modelos com câmeras ligeiramente melhores. Isso força o consumidor a trocar o aparelho inteiro, mesmo que apenas uma função tenha mudado. A propaganda impulsiona essa ideia de inovação, ao ponto de qualquer atualização ser vendida como algo revolucionário. Hoje, criamos não apenas produtos, mas um ciclo de consumo, em que tudo é feito para ser substituído rapidamente.
De onde veio essa ideia?
Embora o fenômeno da obsolescência seja, geralmente, associado à globalização, ele tem raízes na Grande Depressão de 1929. Durante esse período, com o mercado estagnado e a economia em colapso, as indústrias enfrentavam a necessidade de renovar a demanda. Uma estratégia adotada foi fabricar produtos que durassem menos, forçando os consumidores a comprar mais frequentemente.
Essa ideia já circulava antes da crise, como exemplificado por uma famosa frase publicada em 1928 na revista americana Printer’s Ink: “Um produto que não se desgasta é uma tragédia para os negócios”. Na prática, isso se consolidou em diferentes indústrias, como a de lâmpadas, em que grandes empresas formaram um cartel para limitar a vida útil de seus produtos, reduzindo drasticamente sua durabilidade.
Esse padrão, que foi amplamente discutido no documentário espanhol Comprar, Tirar, Comprar, tornou-se um marco na transição para uma economia em que os produtos não foram mais feitos para durar. Exemplos de longa durabilidade, como a lâmpada que brilha desde 1901 em uma estação de bombeiros na Califórnia, contrastam com o padrão atual.
Na mesma época, para impulsionar as vendas de seus veículos, Alfred Sloan, então presidente da General Motors, começou a alterar pequenos componentes sem função nos automóveis, promovendo essas modificações como “atualizações” que incentivavam novas compras. Essa prática perdura até hoje. Embora a crise econômica tenha sido superada nas décadas seguintes, essa mentalidade se uniu ao capitalismo desenfreado, resultando em um aumento na disponibilidade de produtos projetados para falhar, que passaram a ser colocados nas prateleiras.
Obsolescência Programada
A obsolescência programada, também chamada de planejada ou tecnológica, é a prática em que produtores deliberadamente desenvolvem, fabricam e vendem produtos de modo que se tornem obsoletos ou não funcionais em um curto período. Isso força os consumidores a substituí-los por versões mais novas, encurtando o ciclo entre a compra e o descarte.
Enquanto o consumo de produtos perecíveis, como alimentos, é constante, o de bens duráveis naturalmente deveria ser mais espaçado. Contudo, a prática da obsolescência programada interrompe essa lógica, encurtando a vida útil dos bens e incentivando a troca frequente. Como resultado, os consumidores se veem obrigados a descartar os produtos muito antes do esperado e a substituí-los por novos, que, por sua vez, também possuem uma durabilidade reduzida.
Exemplos são inúmeros: televisores de plasma, celulares, computadores, eletrodomésticos como micro-ondas, máquinas de lavar e fogões, entre outros, frequentemente se tornam inutilizáveis logo após o fim do período de garantia. Ao tentar consertar esses itens, o consumidor descobre que o custo de reparo frequentemente excede o preço de um produto novo.
O primeiro sinal de desilusão surge ainda na loja: o vendedor, embora eficiente na venda, geralmente pouco entende dos defeitos dos produtos. Caso o consumidor opte por buscar ajuda de um centro autorizado, pode descobrir que as peças necessárias estão indisponíveis e precisarão ser encomendadas de outros países, como a China. A longa espera e a incerteza quanto à chegada das peças frequentemente levam à compra de um novo produto.
Desde as indestrutíveis meias de nylon da DuPont nos anos 1930 até os telefones inteligentes, que começam a apresentar falhas inexplicáveis apenas um ano e meio após a compra, a obsolescência programada evoluiu. Provar a intenção deliberada de encurtar a vida útil de produtos, entretanto, não é simples.
Benito Muros, presidente da Fundação Energia e Inovação Sustentável Sem Obsolescência Programada (Feniss), alerta que muitos fabricantes hoje investem mais em descobrir formas de reduzir a durabilidade dos aparelhos do que em melhorias para os consumidores. Ele afirma que essa prática está presente em todos os dispositivos eletrônicos que compramos, incluindo carros. São exemplos de obsolescência programada os dispositivos cujas carcaças não dissipam adequadamente o calor, provocando falhas precoces, ou componentes como condensadores eletrolíticos, que perdem eficácia com o tempo. Outros exemplos incluem baterias não removíveis, como as dos primeiros iPhones, forçando os usuários a substituírem o aparelho inteiro, ou chips programados para desativar o sistema após determinado número de utilizações, como observado em algumas impressoras.
Outro exemplo clássico da obsolescência programada está na fabricação de itens descartáveis, como sacolas e copos plásticos, projetados para serem utilizados uma única vez antes de serem descartados, contribuindo para o aumento dos resíduos sólidos.
Alguns estudiosos diferenciam a obsolescência programada da funcional ou técnica. A programada ocorre quando mercadorias ou serviços são projetados intencionalmente para se tornarem obsoletos em um período específico. Já a obsolescência funcional ou técnica se refere a situações como:
– Quando um produto, serviço ou tecnologia mais eficiente substitui o anterior;
– Quando a vida útil é afetada pela baixa qualidade dos materiais utilizados;
– Quando um produto se torna inutilizável devido ao surgimento de novas tecnologias;
– Quando peças fundamentais de um produto não estão mais disponíveis no mercado para manutenção;
– Quando consertar um produto antigo é financeiramente inviável, sendo mais barato adquirir um novo.
Obsolescência percebida
A obsolescência percebida, também conhecida como psicológica ou de desejabilidade, é uma subdivisão da obsolescência programada. Ela ocorre quando um produto ou serviço, embora funcione perfeitamente, é considerado obsoleto pelo consumidor devido ao lançamento de uma nova versão com estilo diferente ou pequenas alterações na sua linha de produção. Trata-se da desvalorização prematura de um produto sob uma perspectiva emocional, ainda que ele esteja em ótimas condições de uso. Esse fenômeno é impulsionado pela publicidade e pelo design, com o objetivo de estimular o consumo.
Dessa forma, há uma clara conexão entre a obsolescência percebida e a criação de “demandas artificiais”, induzindo o consumidor a acreditar que a vida útil de seu produto expirou, mesmo que ele ainda esteja completamente funcional.
Em outras palavras, estratégias de marketing são adotadas para modificar o estilo dos produtos e, assim, induzir os consumidores a repetirem suas compras com maior frequência. Esse processo gasta o valor do produto na mente do consumidor, que passa a associar o novo ao melhor e o velho ao pior. O design, nesse contexto, assume um papel crucial, trazendo a ilusão de mudança ao alterar a aparência dos produtos. A obsolescência percebida faz com que o consumidor se sinta desconfortável ao utilizar um produto que ele considera ultrapassado.
O design desempenha uma função estratégica nesse processo, sendo uma ferramenta central na execução da obsolescência percebida. Ele está envolvido em várias etapas da criação de bens de consumo, desde o desenvolvimento do projeto até o planejamento e branding, culminando no marketing publicitário. Juntamente com a propaganda, o design desperta o desejo incessante de consumo, condicionando muitas pessoas a acreditar que a posse de bens materiais é o caminho para a felicidade.
Um exemplo claro dessa dinâmica foi o lançamento do iPad 4 pela Apple, que aconteceu poucos meses após o lançamento do iPad 3. A empresa foi processada pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática por lançar uma nova versão do produto sem mudanças técnicas significativas, levando os consumidores a considerarem seus iPads 3 obsoletos e a procurarem a versão mais nova. Este não é um comportamento isolado de uma única empresa, mas uma tendência de mercado.
No setor de games, entre 2012 e 2013, diversas fabricantes lançaram consoles da 8ª geração, como o Playstation 4 (PS4) e o Wii U, sucedendo consoles que já estavam no mercado há vários anos. Com essa nova geração, muitos consumidores sentiram que seus produtos anteriores, como o Playstation 3 (PS3), haviam se tornado obsoletos. Quem migrou para o PS4, por exemplo, descobriu que não podia jogar os jogos do PS3, pois a Sony não disponibilizou retrocompatibilidade entre os dois consoles. Isso forçou os usuários a adquirirem novas versões dos jogos que já possuíam no PS3.
Os consumidores que mantiveram o console da geração anterior também foram prejudicados, já que muitos novos jogos e versões atualizadas foram lançados exclusivamente para os consoles da nova geração. Poucos títulos continuaram a ser desenvolvidos para os consoles mais antigos.
No caso da Nintendo, os usuários do Wii antigo perderam o acesso ao serviço online, pois a empresa queria que os jogadores migrassem para o novo Wii U. Embora os jogos da versão anterior ainda rodassem no novo console, a perda de acesso ao serviço online limitava a experiência, impedindo a interação entre jogadores e a realização de atualizações.
Outro exemplo clássico de obsolescência percebida está na moda, em que os consumidores são persuadidos a atualizar seus guarda-roupas de acordo com as tendências mais recentes. Saltos de sapato que num ano são finos, no ano seguinte, passam a ser grossos, apenas para inverter a tendência novamente, levando a uma constante renovação de vestuário.
Talvez o maior símbolo da obsolescência percebida atualmente seja o iPhone. Este dispositivo é tratado como um bem descartável, apesar de ter preço de bem durável. Cada novo lançamento da Apple leva muitos consumidores a sentirem que seus modelos anteriores estão ultrapassados, mesmo quando ainda estão em excelente condição de uso.
Lixo eletrônico
A obsolescência, ao longo do tempo, não só forçou a população a comprar cada vez mais, mas também revelou um dos mais graves impactos ambientais contemporâneos: a gestão dos resíduos decorrentes do consumo desenfreado, com destaque para o lixo eletrônico. O ciclo de comprar, usar, descartar e repetir esse processo representa uma séria ameaça ao meio ambiente, já que a constante troca de modelos resulta no descarte massivo de dispositivos eletrônicos antigos.
O descarte inadequado desses equipamentos eletrônicos provoca a contaminação do solo, da água e do ar, devido aos metais pesados e substâncias tóxicas que compõem muitos desses produtos. Isso afeta diretamente plantas, animais e seres humanos. Metais como chumbo, cádmio, cobre, bromo e níquel são comumente encontrados nos componentes eletrônicos. Quando esses materiais se acumulam no meio ambiente, podem gerar graves problemas de saúde, como feridas, câncer, doenças respiratórias e até demência.
Além do consumismo desenfreado dos países ocidentais, o número de consumidores de produtos tecnológicos aumenta a cada ano com a expansão de novas classes médias em países como China e Índia, que se somam aos padrões de consumo das nações desenvolvidas. Mais celulares, computadores e eletrodomésticos são comprados e, em pouco tempo, descartados. Essa demanda crescente resulta em maior extração de metais, recursos finitos que não podem ser repostos na mesma velocidade em que são utilizados. Quanto mais curta for a vida útil dos dispositivos, maior será o volume de resíduos gerados.
O Brasil é o maior produtor de lixo eletrônico na América Latina e ocupa a sétima posição no ranking mundial, segundo o relatório Global e-Waste Monitor de 2017. De acordo com pesquisas da ONU, o país gera cerca de 1,5 mil tonelada de lixo eletrônico por ano, um desafio ambiental cada vez maior, já que o descarte correto desse material ainda é dificultado por barreiras logísticas e falta de políticas adequadas.
Embora a responsabilidade do descarte inadequado de aparelhos eletrônicos também recaia sobre a população, mudanças significativas só ocorrerão por meio de iniciativas governamentais e ações dos fabricantes. Conceitos como a economia circular e a logística reversa estão sendo discutidos em fóruns globais, promovendo a ideia de que, ao fabricar um bem, deve-se considerar o resíduo que ele gerará e como ele poderá ser reutilizado parcial ou totalmente. As empresas também devem ser incentivadas a adotar políticas claras para recolher de volta os dispositivos usados, evitando que eles sejam descartados inadequadamente.
Uma legislação internacional mais rigorosa seria essencial para responsabilizar os fabricantes. Isso poderia incluir obrigatoriedade de estender os prazos de garantia, fabricação de produtos com peças que possam ser facilmente substituídas, incentivo ao reparo em lojas e assistência técnica, redução de impostos para empresas que adotem práticas sustentáveis e multas para aquelas que não respeitarem essas políticas.
A França destaca-se por ter a legislação mais rígida da Europa na luta contra a obsolescência programada, aprovada em 2015. Empresas que forem flagradas praticando essa política podem ser multadas em até 300 mil euros (cerca de 1,1 milhão de reais). Um exemplo disso foi a denúncia apresentada em setembro de 2017 pela associação HOP, que acusou marcas como HP, Canon e Brother de práticas que reduzem deliberadamente a vida útil de impressoras e cartuchos, com destaque especial para o caso da Epson.
Controvérsias
Existem correntes que defendem a prática da obsolescência programada. O principal argumento é que seria um desperdício para os fabricantes direcionarem recursos caros e escassos para a produção de produtos que durem muito além de sua utilidade. Um exemplo frequentemente citado é o dos computadores. Fabricar computadores que durassem mais de seis anos poderia ser considerado um erro, pois, além de mais caros, eles rapidamente se tornariam tecnologicamente obsoletos.
Os defensores dessa ideia afirmam que a obsolescência é programada pelos fabricantes porque os consumidores preferem o aperfeiçoamento contínuo dos produtos à manutenção de versões antigas. Eles preferem disponibilidade à longevidade, substituição à reparabilidade, e favorecem o progresso e a mudança em detrimento da durabilidade dos produtos. Esses defensores garantem que não se trata de desperdício, uma vez que os produtos estão sendo fabricados com os menores custos possíveis dentro dos processos de produção.
No entanto, se, ao lançarem novas versões ou edições de produtos, os fornecedores oferecessem meios para que aqueles já adquiridos pelos consumidores continuassem funcionando adequadamente, até que precisassem ser descartados pelo desgaste natural, ou se disponibilizassem peças de reposição para que a versão antiga mantivesse as mesmas funções da nova, os argumentos a favor da obsolescência perderiam sua força.
A responsabilidade ética das empresas, especialmente as do setor de tecnologia, envolve o desenvolvimento de produtos que possam ser facilmente desmontados e reciclados. Garantir que os consumidores tenham a opção de reparar e atualizar seus dispositivos, em vez de descartá-los prematuramente, poderia mitigar muitos dos problemas gerados pela obsolescência programada.
Futuros Possíveis
À medida que o debate em torno da obsolescência programada ganha força, novas perspectivas estão surgindo sobre como podemos repensar nosso consumo e a relação com os produtos. A crescente conscientização sobre os danos ambientais e sociais causados pelo descarte prematuro de bens tem levado ao desenvolvimento de alternativas que priorizam a durabilidade e a sustentabilidade.
Uma dessas alternativas é a economia circular, que propõe a criação de sistemas em que o valor dos produtos, materiais e recursos seja mantido pelo maior tempo possível, eliminando a ideia de resíduos. Nesse modelo, a reutilização, a remanufatura e a reciclagem são integradas desde a fase de design, incentivando um ciclo contínuo de uso dos materiais.
Além disso, o movimento “right to repair” (direito ao reparo), bem como o design para desmontagem, têm ganhado espaço, com defensores pressionando para que os consumidores tenham o direito de reparar seus próprios produtos ou levá-los a assistências técnicas independentes, ao invés de serem forçados a comprar novos. Diversos países estão começando a criar legislações para garantir que os fabricantes facilitem o acesso a peças de reposição e manuais de conserto.
A economia compartilhada, que tem ganhado destaque recentemente, é um fator que força o mercado a repensar seus produtos. Projetar um item para aluguel é uma abordagem bem diferente do que projetá-lo para venda, pois a durabilidade se torna uma consideração crucial nesse processo criativo. Essa nova forma de economia incentiva a possibilidade de atualizações sem a necessidade de trocar o produto por completo. Estamos nos afastando da era do consumo individual, em que cada um possui seu próprio produto, e avançando para a era dos serviços, em que as pessoas alugam e compartilham. Isso exige uma mudança na lógica de design, para que possamos criar soluções pensadas para um ciclo mais completo e sustentável. A sociedade precisa estabelecer um diálogo mais profundo com as inovações, avaliando seu impacto, considerando seus efeitos e investigando suas repercussões.
Embora ainda haja muito o que ser feito, esses movimentos sugerem que o futuro pode ser diferente. Empresas que investem em produtos duráveis, de fácil reparo e que respeitam os princípios de sustentabilidade têm o potencial de reconfigurar o mercado. Se combinarmos essas iniciativas com políticas públicas rigorosas e a conscientização dos consumidores, podemos começar a moldar um futuro em que a durabilidade, a reutilização e o respeito ao meio ambiente sejam valores centrais.
O desafio agora é transformar essa visão em realidade.